dois jovens na madrugada
- IFMUN Catanduva
- 25 de ago. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 31 de ago. de 2021

A imagem da postagem é a pintura "A Noite Estrelada" (1889) de Vincent Van Gogh.
eu gosto de entrar no carro e andar pelas ruas da cidade às duas da madrugada. com as janelas abertas, o ar gélido adentra e a noite, como ao abrir uma cortina, apresenta a vida das pessoas que compartilham comigo esse momento de solidão e insônia. um café, um cigarro, um olhar pela janela: a essência das madrugadas.
conforme o carro se movimenta, eu rasgo a escuridão e o corpo sente os pedaços melancólicos da noite passando pela pele e se encontrando com algo morto há muito tempo.
hoje, ao passar por uma rua solitária, a noite, traiçoeira e sugestiva, me mostra uma cena: dois jovens, de vinte e poucos anos, na sacada do segundo andar de um desses apartamentos de esquina. o primeiro anda de um lado para o outro e o segundo está sentado, com papéis na mão, anotando algo. poetas? a angústia se apresenta na face do andante e, mordendo o lábio, o outro continua a escrever. seria um romântico pensando no dorso e nos lábios vermelhos de sua amada? não, aquele sentimento é outro. ele se mistura com o cheiro do cigarro deitado no cinzeiro. a mão no rosto na tentativa de camuflar a dor expressa na aflição do andar. a compreensão nos olhos do escritor. em segundos, a cena é registrada. o carro em movimento, o vento ondulando as árvores orvalhadas e os passos do jovem inquieto.
um sentimento incômodo passa pelas veias. tal um rato cruel, rói a carne. sem nome ainda, ele se perde em mim. por que me atrai tanto essa cena? o que é isso de tão brutal que se abriga nesse feto mórbido alojado dentro do peito? tão poderoso, mas anônimo. tão cruel, mas doce.
a noite engole os dois jovens poetas. claro que poetas, com aqueles olhares e traços. nunca saberei o que era escrito tão rapidamente nas folhas avulsas e o motivo dos passos, mas essa cena e eu estamos atados. é um desses nós que atam pessoas desconhecidas. nesse caso não houve a banal troca de olhares. foi uma troca de existências.
Lucas Henrique Navarro
Comentários