“A Redenção de Cam” e a Eugenia no Brasil
- IFMUN Catanduva
- 24 de ago. de 2021
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A imagem da postagem é a pintura “A Redenção de Cam” (1895) de Modesto Brocos.
A pintura “A Redenção de Cam” (1895), de Modesto Brocos, foi criada com o objetivo de representar a tese do branqueamento da população brasileira que era defendida por intelectuais, artistas e médicos na época em que a pintura foi feita. Segundo essa tese, a população brasileira se tornaria branca se as pessoas negras tivessem filhos com pessoas brancas e esses filhos, que seriam mestiços, tivessem filhos com outras pessoas brancas. Assim, após essas gerações, o Brasil tenderia a ser um país com população branca. Atualmente, sabe-se que essa tese é falsa, mas, no período, conquistou vários adeptos. Isso se deve ao racismo da época, embasado no conjunto de pseudoteorias chamado Darwinismo Social que era muito famoso na época. Essas pseudoteorias aplicavam, de forma errônea, a Teoria da Evolução de Darwin nos seres humanos, ignorando a complexidade das relações humanas em relação às das demais espécies. Usando, assim, os conceitos apresentados na teoria de Darwin e na ideia de hierarquização racial, ou seja, que algumas pessoas, dependendo da cor da pele e cultura, são superiores às outras pessoas com a cor da pele e cultura diferentes. Segundo os darwinistas sociais, as pessoas brancas seriam superiores às negras e o branqueamento da população seria bom para o ser humano, porque apenas os seres superiores existiriam.
Entre essas pseudoteorias, uma se destacou e conquistou muitos adeptos no Brasil: a Eugenia. Criada na Europa, durante a década de 1880, por Francis Galton, defendia as ideias citadas anteriormente, sendo o racismo disfarçado de ciência. No início do século XX, no Brasil, diversos acadêmicos da elite aderiram a pseudoteoria e escreveram diversas obras defendendo-a e medidas a serem tomadas no país para que a população “se refinasse”, ou seja, na sua percepção, que excluísse os negros, deficientes, pobres e imigrantes. Dessa forma, as pessoas fora desse grupo se reproduziriam e teriam filhos perfeitos. Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, o movimento eugênico perdeu força, pois ficou “feio” defender as mesmas ideias que Hitler. No entanto, atualmente, com a ascensão do neofascismo, é possível que a pseudoteoria retorne.
Ao analisar a obra, é possível observar uma mulher idosa negra à esquerda, um homem branco adulto à direita e, ao centro, uma mulher mestiça adulta com um bebê branco no seu colo. A principal análise da obra, levando em conta o contexto histórico e a Eugenia, mostra a defesa do branqueamento da população brasileira. A senhora idosa negra seria a mãe da mulher mestiça central e o homem branco seria o marido da mulher mestiça, sendo o bebê branco no centro o filho do casal. Sabendo disso, entende-se que a obra defende como o processo de branqueamento aconteceria, com as pessoas negras deixando de existir e só brancos existindo.
Outros pontos observados no quadro são: o fato da senhora levantar as mãos ao alto, representando como estaria feliz com o fato do seu neto ser branco, enfatizando a tese do branqueamento novamente, e defendendo que os negros ficariam satisfeitos com ele; o fato da senhora estar descalça e os dois adultos estarem calçados, pois existe uma associação de estar descalço com a escravidão, porque os negros não tinham sapatos; o fato do homem estar com os pés em um chão de pedra, a mulher central num meio termo entre terra e pedra, e a senhora estar em pé na terra, associando a pessoa branca com o avanço e a pessoa negra com o antiquado; e também o fato da adulta apontar o dedo, algo que pode ser entendido como se ela apontasse para o futuro criado após o branqueamento, ou seja, o futuro desejado pelos defensores do branqueamento, no qual a população brasileira é branca.
Sobre o título do quadro, é possível inferir que o pintor se refere à uma passagem bíblica, na qual Cam, filho de Noé, humilha seu pai, que estava embriagado, ao mostrar sua nudez aos seus irmãos. Após isso, o filho de Cam, Canaã, é amaldiçoado por Noé a ser o “servo dos servos”. No começo da Era Moderna, no século XV, a cristandade divulga a ideia de que os descendentes de Canaã, e, consequentemente, de Cam, seriam negros, como forma de justificar a escravização dos negros e a pseudoteoria de que eles são inferiores. Logo, a redenção de Cam seria o fim da maldição de Cam, quando os negros, seus descendentes, deixariam de existir.
Em síntese, a pintura racista se tornou um símbolo da Eugenia, por ilustrar os objetivos da pseudoteoria. Nos tempos atuais, é necessário olhar essa pintura e os textos do movimento eugenista com um olhar crítico, além de conscientizar a população sobre o poder nocivo que essas pseudoteorias revelam, como foi mostrado no século XX.
Lucas Henrique Navarro
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