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A Arte como ferramenta de protesto e resistência: nosso país, nosso lugar de fala


A imagem da postagem é uma fotografia de autor anônimo retratando as atrizes Eva Todor, Tônia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara, Cacilda Becker e Norma Bengell marchando contra a censura do governo durante a Ditadura Militar (1968).



“Mil nações moldaram minha cara

Minha voz uso pra dizer o que se cala

O meu país é meu lugar de fala

[...]

Pra que explorar?

Pra que destruir?

Por que obrigar?

Por que coagir?

Pra que abusar?

Pra que iludir?

E violentar, pra nos oprimir?

Pra que sujar o chão da própria sala?

Nosso país, nosso lugar de fala

[...]”

(O que se cala, Elza Soares)



Na música “O que se cala”, de Elza Soares, é possível inferir que a cantora usa da Arte para se expressar e “dizer o que se cala”, ou seja, protestar contra as mazelas sociais. Dessa forma, Elza, uma mulher negra que já vivenciou a vida em uma favela (conhecida, atualmente, como Vila Vintém), passou fome e sofreu com violência doméstica, mostra a sua realidade nas músicas, como no seu álbum “A mulher do fim do mundo”, que recolhe inúmeras canções que falam de sua condição em um país machista, racista e aporofóbico, ou seja, a Arte promove que um indivíduo represente um grupo de pessoas e lute para mudanças sociais. Pode-se, assim, observar a importância da Arte para a sociedade brasileira, pois possibilita que artistas usem-na para resistir politicamente contra os problemas do país.

Entretanto, durante a história do Brasil, governos autoritários se opuseram à liberdade dos artistas de protestarem contra suas medidas, censurando-os, pois tais regimes perceberam o poder de mudança que a Arte exerce na sociedade. Logo, faz-se necessário entender como a Arte é uma ferramenta de protesto e a relação entre Arte e autoritarismo.

Em primeiro lugar, observa-se que a Arte é uma ferramenta de resistência utilizada por diversos artistas que protestam contra decisões do governo brasileiro e resistem contra opressões sociais, principalmente as vivenciadas por minorias. Tal como no poema “Vozes-Mulheres”, de Conceição Evaristo, no qual a escritora aponta o processo de inferiorização da mulher negra ao longo da história do Brasil, mostrando como essas mulheres foram subjugadas e caladas. No entanto, o poema é usado como forma de protesto ao levantar que as novas gerações de mulheres negras não se calarão e vão resistir aos preconceitos existentes, usando de sua voz e luta:


“A voz de minha bisavó

ecoou criança

nos porões do navio.

ecoou lamentos

de uma infância perdida.


A voz de minha avó

ecoou obediência

aos brancos-donos de tudo.


A voz de minha mãe

ecoou baixinho revolta

no fundo das cozinhas alheias

debaixo das trouxas

roupagens sujas dos brancos

pelo caminho empoeirado

rumo à favela


A minha voz ainda

ecoa versos perplexos

com rimas de sangue

e

fome.


A voz de minha filha

recolhe todas as nossas vozes

recolhe em si

as vozes mudas caladas

engasgadas nas gargantas.


A voz de minha filha

recolhe em si

a fala e o ato.

O ontem – o hoje – o agora.

Na voz de minha filha

se fará ouvir a ressonância

O eco da vida-liberdade.”


Em segundo lugar, sabe-se que diversos governos autoritários brasileiros, durante o século XX, protagonizaram atos de censura contra os artistas, sendo a Ditadura Militar Brasileira, ocorrida entre 1964 e 1985, a mais memorável regência. Certamente, o período citado se caracterizou por um grande embate entre os artistas, que procuravam usar da Arte para protestar e resistir, e o governo, que sufocava essas manifestações artísticas, mostrando o seu autoritarismo. Por exemplo, na música “Cálice”, composta em 1973, os cantores Chico Buarque e Gilberto Gil criticam a censura, ao mostrar como o governo censurava os artistas subversivos, calando-os. Todavia, ao invés de usar o verbo “cale-se”, decidem usar a palavra homófona “cálice” e metáforas que relacionam o ato de censurar os artistas com o ato de oferecer um “cálice com vinho tinto de sangue”, caracterizando-se como uma crítica implícita, pois, desse modo, teoricamente, os artistas não seriam punidos:


“[...]

Pai, afasta de mim esse cálice

De vinho tinto de sangue


Como beber dessa bebida amarga

Tragar a dor, engolir a labuta

Mesmo calada a boca, resta o peito

Silêncio na cidade não se escuta

De que me vale ser filho da santa

Melhor seria ser filho da outra

Outra realidade menos morta

Tanta mentira, tanta força bruta

[...]

Como é difícil acordar calado

Se na calada da noite eu me dano

Quero lançar um grito desumano

Que é uma maneira de ser escutado

Esse silêncio todo me atordoa

Atordoado, eu permaneço atento

Na arquibancada pra qualquer momento

Ver emergir o monstro da lagoa

[...]”


Além disso, outro aspecto importante é o fato da violação dos direitos humanos durante a Ditadura Militar. Além da censura dos meios de comunicação e das manifestações artísticas, outras violações eram presentes, como as prisões arbitrárias, as torturas, os assassinatos e os desaparecimentos de corpos dos opositores do governo. A Arte cumpre o papel de expor essas violações que se mantiveram encobertas por muito tempo pelos militares, revelando uma preocupação dos artistas com a ocultação do passado e uma forma de conscientizar as pessoas sobre como o governo da Ditadura Militar violou inúmeros direitos humanos para se manter no poder e como é preocupante alguém defender um período como esse. A charge abaixo de Angeli exemplifica o que foi dito:

Em suma, pode-se inferir que a Arte se opõe ao autoritarismo, por ser uma ferramenta de protesto, algo que não é aceito por um governo ditador. Desse modo, apreciar e defender a Arte é muito importante para o país, pois governantes autoritários e regências que não respeitam os direitos humanos, infelizmente, não acabaram em 1985, mas perduram até hoje.



Lucas Henrique Navarro

 
 
 

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